terça-feira, março 31, 2009

Olha todo esse açúcar...

De manhã, você abre as cortinas sem fazer barulho maior que não continue embalando meu sono, só para ver a cena e ter certeza que ainda não acordastes também. E em um giro silencioso me abraças como se estivesse fazendo muito frio em março. Minhas mãos despertam antes do resto do corpo, e procuram ainda no escuro por teus cabelos... Abrir os olhos é um risco que não corro por vários minutos, te sinto e sinto nossa saudade como se ela tivesse sido derramada pela boca, inundando todo o corpo por dentro, até as pontas dos dedos.
Como sempre, não resisto ao seu rosto e desperto de pálpebras abertas, me arrependendo pois não tenho mais sono para te encontrar. Porém corro até o espelho e vejo em mim o mesmo sorriso que te daria se estivestes aqui, assim permaneces no quarto.

segunda-feira, março 23, 2009

És tu.

Que saudade de quando te conhecia, de não ter mais no peito essa tristeza incômoda das certezas que me sustentavam se transformarem. De ver as tuas frases lindas desentoando do contexto, com as palavras se reagrupando rápido até se sentirem singulares, rudes, vindas de um lugar teu que não existia até eu não fazer mais parte de ti. Será que agora és tu?
Que saudade, de lugares com luz fraca em que meus olhos se aconchegavam nos traços do teu rosto, e se sentiam em casa. Dos dias que eu sabia que poderia contar... Contar as horas que demoraríamos para nos ver, o tempo que levaria minha desculpa pelo atraso, o tempo de rirmos, o tempo de nos perdermos entre nossos caminhos interiores que há tempos não se cruzavam... De duvidar do futuro ao teu lado, mas ter certeza que de um jeito ou de outro estarias lá. Será que agora és tu?
Que saudade de te achar a pessoa mais sã que conheço, de pensar que nunca precisarias se botar no meu lugar porque eu já vivia em ti. De não sentir receio ao passar por ti na rua, correr para um abraço de alívio, e dizer-te que mesmo depois de tudo, eu simplesmente não consigo acreditar no que tu se tornou a partir do que deixamos de ser.
Preciso dizer, a água salgada que escorre nos meus traços que nunca tiveram tamanha decepção, é vinda da dúvida constante, será que só agora és tu?
"E mudo e pasmo e compungido e absorto, Vendo o teu lento e doloroso giro, Fico a cismar qual é o rio morto Onde vai divagar esse suspiro." (Pandemonium - Cruz e Souza)

sexta-feira, março 20, 2009

Todo dsia.

post deletado.

sábado, março 14, 2009

Me fizestes lembrar das grades.

Me fizestes lembrar das grades, aquelas que me prendiam na quadra de esportes de uma escola com muitas idênticas... Porque quando o vento soprava forte, ia secando meu cabelo do suor que a agonia do grito calado proporcionava, então meus dedos procuravam os contornos das grades e os passos se apressavam, assim eu tocava depressa uma por uma. Os dedos, aos poucos, ficavam dormentes, enquanto meu corpo era detido por uma vontade imensa de sentir o mesmo como um todo. Era uma sensação de dois segundos que eu tinha de liberdade mesmo dentro dos muros altos daquele espaço. (Uma fuga rápida para nenhum lugar em especial).
Me fizestes lembrar das grades, tome isso como uma boa consequência inconsciente de onde teus pensamentos me levam e me deixam.
No exato momento em que eu fechava os olhos e tentava sentir os dedos como se só eles fossem meu corpo, nesse segundo em que não sabia da tua existência fora ou dentro da minha vida, eu posso jurar hoje, que quando eu abria os olhos o vento sussurrava suas canções futuras...
E agora vivo com uma certa angústia, como se eu andasse sempre procurando uma abertura que seja na direção do teu conforto seguro (uma fuga sem volta para um lugar em especial). E para complicar, essa porta é da tua casa, você que eu mau conheço....

quinta-feira, março 12, 2009

Se te queres matar.

Se te queres matar, porque não te queres matar? Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida, Se ousasse matar-me, também me mataria... Ah, se ousares, ousa! De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas A que chamamos o mundo? A cinematografia das horas representadas Por actores de convenções e poses determinadas, O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim? De que te serve o teu mundo interior que desconheces? Talvez, matando-te, o conheças finalmente... Talvez, acabando, comeces... E de qualquer forma, se te cansa seres, Ah, cansa-te nobremente, E não cantes, como eu, a vida por bebedeira, Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente! Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém... Sem ti correrá tudo sem ti. Talvez seja pior para outros existires que matares-te... Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado De que te chorem? Descansa: pouco te chorarão... O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco, Quando não são de coisas nossas, Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte, Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda Do mistério e da falta da tua vida falada... Depois o horror do caixão visível e material, E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali. Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas, Lamentando a pena de teres morrido, E tu mera causa ocasional daquela carpidação, Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas... Muito mais morto aqui que calculas, Mesmo que estejas muito mais vivo além...

Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova, E depois o princípio da morte da tua memória. Há primeiro em todos um alívio Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido... Depois a conversa aligeira-se quotidianamente, E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste. Só és lembrado em duas datas, aniversariamente: Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste; Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada. Duas vezes no ano pensam em ti. Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram, E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos... Se queres matar-te, mata-te... Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!... Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera As seivas, e a circulação do sangue, e o amor? Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida? Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem. Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes. És tudo para ti, porque para ti és o universo, E o próprio universo e os outros Satélites da tua subjectividade objectiva. És importante para ti porque só tu és importante para ti. E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido? Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces, Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida? Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente: Torna-te parte carnal da terra e das coisas! Dispersa-te, sistema físico-químico De células nocturnamente conscientes Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos, Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências, Pela relva e a erva da proliferação dos seres, Pela névoa atómica das coisas, Pelas paredes turbilhonantes Do vácuo dinâmico do mundo...

(Fernando Pessoa)

sábado, março 07, 2009

Espero que esqueças do resto.

Foge dessa tua culpa vã de não se fazer presente pro que amanhã há de te esperar. Tira do teu corpo tudo o que existe de bagatela, e me avisa quando for a hora de tocar. Fique longe do que vem pra endireitar nosso contexto de curvas e nós. Porque te quero assim: Leve para passar flutuando por qualquer pista de obstáculos. Tão certa de tudo que poderás fechar os olhos sem medo de cair. Tão acima que sentirás o frio das nuvens sabendo que tudo tem hora para acabar... E enquanto o vento vai arranhando tua carne, estremecendo os teus ossos, fazendo as mãos se fecharem... Me verás com o mesmo jeito de sentar, olhando pro alto. Espero que esqueças nessa hora, de todo o resto.